sábado, 3 de abril de 2010

Pedro é fixe ou fracturante?


O novo líder é a favor da adopção por casais gay e sabe que a dita família tradicional acabou.

A mudança radical que ocorreu no PSD há uma semana tem passado despercebida. Pela primeira vez na sua história, o partido social-democrata elegeu um líder não católico que defende, por exemplo, a adopção por casais homossexuais - uma ideia que o governo Sócrates vetou por recear uma espécie de alarme social. Pedro Passos Coelho já tinha sido favorável à despenalização do aborto, admitiu a liberalização das drogas e atacou o Presidente da República por causa do veto à lei do divórcio de Sócrates. Também para Passos Coelho, a idealizada família tradicional não é um dogma - existem várias famílias.

Mas as opções pessoais do novo líder contagiarão um partido que ao longo da sua história tem alinhado com as ideias mais conservadoras nos costumes? "Pedro Passos Coelho nunca fez dessas ideias causas políticas. Ele não tenta impô-las à sociedade e é por isso que o partido respeita a posição dele", afirma ao i um amigo e colaborador próximo, concorrendo para a ideia de que, neste capítulo, dificilmente o PSD mudará do dia para a noite.

Em entrevista ao i, Passos Coelho defendeu a adopção por casais homossexuais, considerando que a lei aprovada pela Assembleia da República corre o risco de ser inconstitucional por proibir expressamente que os gays e as lésbicas casadas adoptem. Curiosamente, essa questão não suscita dúvidas constitucionais a Cavaco Silva, que enviou a lei para o Tribunal Constitucional, sem questionar a proibição da adopção.

Ora, para o novo líder do PSD, "a homossexualidade ou a heterossexualidade não tem de ser um critério para a adopção. Quando avaliamos as condições em que determinada pessoa deve poder adoptar, o critério não é saber qual é a sua orientação sexual. Deve ser saber se tem ou não tem condições de estabilidade emocional, maturidade, autonomia financeira". Esta posição de Passos Coelho é partilhada por Paula Teixeira da Cruz, que o novo líder chamou para fazer a proposta de revisão do novo programa do PSD.

Ninguém esperará ver Pedro Passos Coelho a subscrever a famosa frase de Manuela Ferreira Leite - "o casamento tem como objectivo a procriação" - e que fez as delícias do PS na última campanha eleitoral. O argumento do "passadismo" nos costumes não poderá mais ser utilizado pelo PS contra o PSD. Tal como Sócrates, Pedro Passos Coelho assumiu ter fumado um charro. "Tinha talvez os meus 16, 17 anos. Estava num grupo de amigos, passaram-me um cigarro, eu não sabia o que era. Fumei, não gostei do sabor. Percebi depois pelos comentários que era qualquer outra coisa. Não fumei enganado, nem estou a desculpar-me! Não tenho nenhum problema em ter fumado! Eu comecei a fumar cigarros em minha casa sem ter pedido autorização a ninguém...", disse na recente entrevista ao i.

Apesar de ter excluído qualquer matéria fracturante do seu livro "Mudar", Pedro Passos Coelho defendeu, num encontro com blogueres antes da campanha para as directas, que as vias convencionais de combate à droga não estão a funcionar, admitindo as propostas de descriminalizar do consumo e liberalizar a sua venda, se houver um acordo alargado entre Estados. Esta posição anti-proibicionista é há vários anos defendida por Paulo Teixeira Pinto, que Passos Coelho escolheu para seu presidente da Comissão de Honra.

Mas o corte epistemológico entre os dois PSD - o conservador e o passista-liberal - ficou evidente quando o Presidente da República decidiu vetar a nova lei do divórcio, que facilitou os trâmites da dissolução do casamento e aboliu a identificação de "culpas".

"Tenho muita pena que o Presidente da República tenha vetado a lei do divórcio, sobretudo com aqueles argumentos", disse na altura o ex-candidato à liderança do PSD, em declarações ao "Diário de Notícias." Para Passos Coelho, que defendeu a lei, "os argumentos que foram produzidos pelo Presidente da República traduzem uma concepção da família e da sociedade que está um pouco ultrapassada".

O Presidente da República, católico, sempre foi um conservador nos costumes. Em 1993, fez um famoso discurso em defesa dos valores da família tradicional que foi muito criticado dentro do seu partido, nomeadamente por Pacheco Pereira. Marcelo Rebelo de Sousa também é profundamente católico - é a ele que o país "deve" o atraso na despenalização do aborto, quando forçou a realização do referendo e convenceu o católico Guterres, que se preparava para aceitar que a maioria PS-PCP no parlamento aprovasse a lei. Durão Barroso, Santana Lopes, Marques Mendes e Luís Filipe Menezes são menos conservadores, mas mantiveram a linha. Manuela é autora da frase: "Casamento é casamento, outra coisa é outra coisa".


Ana Sá Lopes, Publicado em 02 de Abril de 2010


http://www.ionline.pt/conteudo/53657-pedro-e-fixe-ou-fracturante

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